segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Profissão esotérico.

Profissão Esotérico
Luís Pellegrini


Quando sentem necessidade de mudar de vida, algumas pessoas querem se profissionalizar como especialistas em alguma arte esotérica. Eu não acho essa opção muito conveniente. Ela implica uma série de riscos graves e não representa, necessariamente, nenhum trampolim dourado para a verdadeira experiência espiritual. Sou contra a completa entrega da própria vida às profissões esotéricas. Em primeiro lugar, porque as questões esotéricas, embora importantes, não são tudo na vida. Elas constituem apenar uma parte da vida, e em geral não é a mais importante.
A título de exemplo, afirmo desde já, com toda a convicção, que não existe nenhuma experiência mais importante para o crescimento espiritual do que a vivência pura e simples de um amor verdadeiro. E abaixo das alturas de Eros, há muitas outras coisas que, dependendo da sua qualidade, também importam mais ao espírito do que qualquer esoterismo. Entre essas coisas eu posso citar a alegria, o contentamento, a confiança em si mesmo e na vida, a fé no destino maior do ser humano, a sabedoria, a humildade, a compaixão, e até mesmo o exercício legítimo dos sentidos.
Mas, poderão dizer alguns, as práticas esotéricas existem para facilitar a conquista de todas essas coisas, não é mesmo? É verdade. Na teoria. Porque na prática, nem sempre o instrumental esotérico é utilizado nestes termos. Esclareçamos: todo esse elenco de coisas preciosas que constituem, cada uma delas, degraus fundamentais na escalada da consciência espiritual, não pode ser por nós conquistado de fora para dentro. Isto é, como coisas ou objetos externos que possamos agarrar e deles nos apoderar. Essas coisas são, na verdade, atributos e funções humanas que existem internamente, pelo desabrochar de dentro para fora, num trabalho pessoal de ampliação da consciência que exige muito esforço. E um trabalho que corre em cima do binômio liberdade – responsabilidade, e que só pode ser realizado pela própria pessoa interessada. Os muitos problemas e dificuldades que surgem ao longo deste trabalho não admitem soluções mágicas. Cada um deles deve ser encarado com coragem e determinação, pela própria pessoa que os vive. Não há possibilidade de transferir sua solução para outros, sejam eles pessoas encarnada, como sacerdotes, gurus e mestres espirituais ou entes desencarnados, como espíritos, anjos, gnomos , orixás, etc. Há uma lei fundamental da vida espiritual segundo a qual cada um de nós é , de uma maneira ou de outra responsável pela própria situação em que se encontra. Se a situação for boa, o mérito é nosso e de mais ninguém; mas se for má, a responsabilidade também é nossa, e só pelo nosso próprio esforço conseguiremos sair dela. Os recursos existentes podem eventualmente nos ajudar. Mas apenas, para usar figuras analógicas, como setas que indicam o caminho a ser seguido, como sapatos que protegem os pés nas longas caminhadas, como roupas que abrigam do frio e do calor, como alimentos que nos revigoram, exercícios que nos fortalecem, companhias que arrefecem nossa solidão. Nada, esotérico ou exotérico, sagrado ou profano, nada e nem ninguém fora de nós pode trilhar o caminho que para cada um de nós foi especificamente traçado.
No entanto, e este é um ponto crucial, a grande maioria das pessoas que busca ajuda nos sistemas esotéricos e também nos sistemas religiosos, bem como nas artes esotéricas, reluta em aceitar as evidentes limitações desses sistemas. Templos religiosos, lugares de culto esotérico, consultórios de tarólogos, astrólogos , runólogos, angeólogos, numerólogos, videntes, parapsicólogos; e outros centros ligados a parafernália ocultista atualmente m voga atraem, no geral, poucos verdadeiros buscadores de si. Ao contrário, costuma atrair os buscadores da varinha de condão. Aqueles que constituem legiões e que insistem em recorrer aos préstimos da “fada-madrinha” para resolver toda a sorte de problemas, sejam eles pessoais, coletivos ou do mundo.
Vale a pena, para um profissional esotérico que pretenda ser sério, dedicar-se completamente, em tempo integral, ao atendimento dessa massa de garimpeiros de milagres? Tenho vários amigos e amigas que são profissionais esotéricos sérios em tempo integral. Quando lhes faço essa pergunta, quase sempre hesitam em responder. Costumam refletir dizendo que sempre tentam convencer os clientes de que suas artes esotéricas não foram feitas para servir de muletas a quem se recusa a caminhar com suas próprias pernas. Não foram feitas para adivinhar o passado ou o futuro, embora algumas delas, como a astrologia, possam inclusive servir para isso. Foram feitas para auxiliar na organização da situação presente, da mesma forma que um mapa bem feito auxilia na orientação do viajante, resguardando –o de perder-se pelo caminho. Mas claro, acabam reconhecendo que apenas uns poucos entendem e aceitam as coisas por esse prisma. Os demais, a maioria, quer mesmo que o profissional esotérico tire coelhos da cartola. Um coelho capaz de segurar o namorado que está se afastando; outro coelho capaz de dissolver um suposto feitiço feito por uma colega do trabalho invejosa; um outro para que finalmente se concretize aquele negócio que vai render uma grande comissão.
A busca de soluções mágicas quase sempre tem origem num estágio ainda infantil da maturação psicológica, e essa é a característica fundamental dos legionários da varinha de condão.Pessoas deste tipo têm muita dificuldade em entender e assumir que a maioria dos problemas tem origem dentro delas mesmas, e que a solução desses problemas deve partir delas mesmas, do seu esforço em resolvê-los. Um esforço e empenho que começa com a aceitação do fato de que a responsabilidade é nossa. Projetar a culpa nos outros e a solução em qualquer coisa que exista fora de nós – um objeto de poder, um sacerdote, um guru, um ritual de magia, etc – é sintoma claro de que a pessoa está um tanto fora de seu eixo.
Estar fora do seu eixo é sinônimo de estar desequilibrado. Até a sabedoria popular sabe disso, e é muita clara quando diz: “Fulano está fora de si”...
Para os profissionais esotéricos, atender um legionário da varinha de condão pode representar um desgaste tremendo.O legionário vive uma expectativa utópica em relação às capacidades do profissional a quem recorre e ao poder da arte esotérica, e acredita que o acesso às benesses da fada – madrinha é um direito que lhe pertence expectativa utópica faz-lhe perder a noção de limites.Suas exigências inconscientes e conscientes durante a consulta podem ser de tal intensidade
A ponto de transformá-lo num verdadeiro vampiro psíquico, capaz de “sugar”, sem perceber que o faz, toda a energia do profissional. Mas de uma vez encontrei amigos astrólogos, tarólogos, etc, se arrastando pela rua, de olheiras pretas,após algumas consultas desse tipo. O grande problema é que, ao contrário dos psicólogos – que também costumam ser vítimas muito freqüentes dos buscadores da varinha de condão – os profissionais do esoterismo em geral não dispõem de instrumental
Eficiente para a sua defesa psíquica. Os psicólogos, pelo menos teoricamente – embora muitas vezes também com eles a teoria não corresponda a prática -, são treinados, na faculdade, de modo a não permitir que interações nocivas de campos de energia psíquica aconteçam nos seus contatos com os pacientes.
O risco dessas interações existe e é constante em todas as profissões médicas e terapêuticas, no âmbito das profissões esotéricas, que também podem ser classificadas como terapêuticas, trata-se de um risco redobrado devido à própria natureza extremamente subjetiva das idéias, dos valores e das técnicas em questão.
Ao trabalhar como jornalista e livreiro especializado, pude testemunhar, ao longo dos anos, episódios de grande irresponsabilidade e indicativos de pouca consciência ligados ao manejo das coisas esotéricas. Apenas para citar um exemplo: pessoas às vezes muito jovens chegavam à livraria onde trabalho e compravam um tratado elementar de astrologia.Uma ou duas semanas depois, voltavam para comprar efemérides e tábuas de casas, material básico para construir um mapa natal. Um ou dois meses depois, voltavam pedindo para deixar cartões de visita onde se ofereciam como “profissionais astrólogos”.Mais um ou dois meses depois, e chegavam com panfletos onde anunciavam “cursos de astrologia”. Haviam se tornado professores. Como isso é possível?
A astrologia é uma ciência – arte tão complexa quanto a matemática e a engenharia.Seria possível alguém se tornar professor em tão pouco tempo?
Um problema extremamente sério e muito freqüente nas profissões terapêuticas em geral, e pelos mesmos motivos, acima enumerados, muito agravado nas profissões esotéricas, é a questão do poder que o STATUS de profissional da adivinhação e da magia confere. Um poder que amiúde seduz tanto o profissional e o seu cliente, criando entre ambos uma relação de dependência e de convivência patológica muitas vezes mascarada pela fachada “libertadora” da proposta. É muito difícil, e mesmo os profissionais mais lúcidos reconhecem isso, escapar da embriaguez consciente ou inconsciente que representa a possibilidade de “fazer a cabeça das pessoas” ou alterar os rumos da sua vida através de alguma intervenção mágica. Trata-se de uma embriaguez muito insidiosa, porque, provocada por ferramentas e argumentos mágicos, verdadeiras drogas muito difíceis de serem refutadas devido à sua natureza completamente subjetiva.
Vocês devem estar me perguntando: “ Mas então que fazer, diante desse quadro de tantos riscos e perigos de profissão esotérica? Seria o caso de desistir completamente?”
Minha resposta felizmente está pronta, e é o produto acabado de muita reflexão. Não, não é o caso de desistir completamente, mas sim de desistir de uma boa parte. Uma pessoa realmente preparada, madura e responsável pode dedicar certa parte de seu tempo e das sua energias a alguma atividade profissional do tipo esotérico nessa atividade restrita pode, em minha opinião, inclusive cobrar.Por duas razões : primeiro, porque a formação de um verdadeiro profissional esotérico custa anos e anos de investimento vários, inclusive econômicos , e é justo que quem investiu tanto tenha algum retorno econômico do desempenho do seu trabalho; segundo, porque, infelizmente, na maioria das pessoas existe a mentalidade arraigada de não dar valor às coisas que vem de graça.
Para mim, o que realmente não é bom é concentrar toda a vida em questões esotéricas. Digo isso, por experiência própria, porque, no passado, durante um período em que fiz isso, senti-me rapidamente intoxicado e detestei a experiência. Faço idéia de como devem se sentir, às vezes, aqueles que, por alguma razão, ocupam posições que os obrigam a manter constantemente posturas de autoridades esotéricas ou religiosas. Provavelmente em certos momentos de satuuração, eles tem gana de mandar tudo às favas e de gritar bem alto que eles também, como qualquer pessoa, vivem num mundo onde reina soberana a INCERTEZA. A verdadeira experiência espiritual, como eu comecei a dizer acima, não acontece apenas em situações de cunho esotérico. Ela acontece a todo instante, em cada momento do cotidiano e , muitas vezes, dentro de situações inesperadas e modos inusitados. Para viver essas grandes e pequenas experiências espirituais do dia–a –dia é preciso, muito mais do que possuir conhecimentos e técnicas esotéricas, manter a mente e o coração sempre abertos, sempre disponíveis ao aprendizado do novo e do verdadeiro. Exatamente como uma criança é capaz de fazer sem o menor esforço. Sem sequer perceber que está aprendendo. O instrumental esotérico serve apenas para incrementar a captação, a vivência e a compreensão dessas experiências. Mas não é em absoluto esse instrumental os que a provoca e dirige o seu curso.
Minha recomendação: não abandone sua profissão e , se você quiser , inicie lentamente o seu processo de profissionalização parcial em artes esotéricas. Mas faça-o como quem desenvolve acuradamente um esporte, uma arte ou um passatempo. Nas horas livres, depois que as necessidades de sobrevivência material estiverem garantidas pela prática da profissão convencional. Aí, nessas horas, é possível entregar-se aos vôos esotéricos, sozinho ou acompanhado, como amador ou profissional. Viajar nas asas da simbologia arquetípica do Tarô, dos planetas da Astrologia, dos mistérios das Runas, da Cabala, da Alquimia e de tantos outros meios de transporte que o homem inventou para mergulhar nos reinos misteriosos de si mesmo. E, depois, descer das alturas, ficar bem os pés no chão e viver assumidamente a realidade objetiva. Ambas devem constituir uma unidade integrada e harmonizada, a base essencial da verdadeira vida do espírito.
Luiz Pellegrini – Revista Planeta ( Maio de 1995)

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